Eu ainda Quero Acreditar


Caramba meu, depois de quatorze anos, Mulder e Scully voltaram a enfrentar as bizarrices do mundo dos Arquivos-X.

Na noite do domingo, mais precisamente à meia noite, a Fox fez a exibição do episódio de estreia, nos EUA, da minissérie de 6 episódios de Arquivos-X. No Brasil ela foi exibida às 00hrs da segunda para a terça também pela Fox, com uma dobradinha, logo depois de uma maratona de 22 histórias consideradas essenciais.

Os novos episódios trouxeram tudo o que os fãs esperavam: a paranoia, a conspiração, o humor, criaturas inacreditáveis e esquisitas. Aquela musica de abertura de gelar a espinha. E aliens, definitivamente temos aliens.

Mas os tempos são outros e talvez não tenhamos todo o impacto que tivemos quando a série estava nos seus melhores momentos.

Antes de mais nada, vou deixar claro para aqueles que chiarem que eu sempre fui e sempre serei um ‘excer’. Então quase nenhuma série me deixou mais animado nos últimos anos do que o retorno de Arquivos-X, (exceto talvez Mr. Robot, mas esta é outra história). Fiquei sim, muito animado, mas também muito apreensivo.

Os motivos são dois e bem mais simples do que toda a conspiração de Sindicatos, Cancerosos e Gargantas Profundas: O amadurecimento das audiências e dos roteiristas.

Explico. Primeiro, para fãs e quem não conhece a série, a Fox americana promoveu no ano passado uma maratona REAL de todos os 202 episódios, mais os dois filmes, para quem conseguisse assistir e se preparar para a nova fase. Ponto para eles. 

Quem não conhecia e não tinha saco de comprar as 9 temporadas em DVD ou ver no Netflix em alta resolução os hipnotizantes cabelos vermelhos da agente Scully, pôde conferir o porquê de a série ser tão icônica. E viu ou reviu o melhor e o pior de série. A questão aqui é a diferença entre os dois: o melhor justifica a aura que a série provoca. E o pior é sofrível, fazendo as cinzentas e brilhantes peles dos alienígenas corarem de vergonha. Foi possível ver em tempo real o resultado do desgaste do sucesso ao longo dos nove anos de exibição. A saída de David Duchovny, a queda da qualidade narrativa. A falta de soluções quanto à mitologia da série. O quase agonizante fim e os derradeiros e excelentes episódios finais. Uma verdadeira montanha-russa familiar a muitas franquias que experimentam um sucesso estrondoso e inebriante junto a uma audiência carente de novidades.

Já no Brasil, a Fox não foi tão ousada e exibiu o que chamamos de episódios essenciais. E isto trouxe problemas adicionais. Como qualquer lista ou seleção, estes 22 episódios não agradaram muita gente. Claro, há histórias indiscutivelmente excelentes, como ‘Assassino Imortal (Squeeze)’, Memento Mori ou ’O Hospedeiro (The Host)’. Mas alguns como ‘O Medo (X COPs)’ ou ‘Vampiros (Bad Blood)’ não ajudam a remover o estigma do esgotamento criativo que Chris Carter e companhia tiveram nos derradeiros últimos anos.

E isso é o que me deixou um pouco apreensivo com a minissérie que vi na madrugada desta terça-feira. Embora bem realizados, com uma história bem redigida, alguns pontos ainda me incomodaram. A conspiração está lá. O bizarro também. Mas há algo que eu acredito que não deveria estar, e isto me deixa um pouco desconfortável.



Arquivos-X tinha uma estrutura narrativa durante a temporada que era bem definida, Tinhamos os episódios da mitologia que falavam das conspirações, da paranoia e de aliens; e tínhamos os monstros da semana, as joias da coroa na minha opinião. Manter a série fiel à sua mitologia é bom, mas o que fez mesmo a reputação de Arquivos-X junto aos fãs foram os monstros da semana. Casos inesquecíveis como Eugene Toons, a Sereia de Fiji, o grande mutato, o comedor de doenças... monstros tão aterrorizantes e ainda assim tão encantadores que tiraram prazerosamente o sono de adolescentes durante anos. Havia um certo charme em acompanhar tais bizarrices.

A nova minissérie traz a mitologia já de cara. Aproveita o gancho do último episódio e amplia a história. Retoma também o problema do filho de Mulder e Scully e abre um pouco o universo do porão do FBI com paranoias modernas a là Snowdeen.

Se hoje temos bastante material e notícias que ajudam e ampliam o escopo destas mitologias conspiracionais de Arquivos-X, as coisas parecem novamente um pouco atropeladas e mal aproveitadas. O personagem Tad O'Malley, o showman que reúne Mulder e Scully e os coloca de volta à ativa é pouco explorado e um tanto forçado. Sveta, uma moça que alega ter sido abduzida e lembrar da maior parte das mais de vinte vezes em que foi levada, se mostra uma personagem interessante e a chave para fechar todo o ciclo de conspirações governamentais que conhecíamos, mas aparece e some rápido demais. Além da maneira com que Mulder mergulha de novo no mundo de teorias e paranoias quase que sem lembrar dos quase dez anos de perseguições e casos bizarros e de como sua relação com Scully azedou por causa de suas crenças. Ah, e tem a volta ao Bureau.

Claro, isso foi o primeiro episódio. O Segundo já trouxe um caso misto ”monstro-da-semana+mitologia” que foi mais promissor, mostrando um pouco mais de apuro narrativo, mas ainda com um ar amargo de que a série pode não ter mesmo envelhecido muito bem.
Mas caras conhecidas voltaram. Skinner continua no Bureau, o que facilitou a volta dos Agentes Especiais, embora ainda esteja difícil de engolir esta. E, surpresa, O Canceroso, na forma mais bizarra e amedrontadora que um ser humano sem nenhum poder especial podia aparecer. Esse ainda me deixa agoniado sempre que aparece.

Enfim, essa minissérie de 2016 ainda tem mais quatro episódios e potencial não tão oculto para mostrar a que veio. E embora não haja muita esperança de que a turma do porão volte para uma temporada cheia, eu quero acreditar que todos estes anos de devoção não façam água como o Piper Maru e sejam relegadas às prateleiras da ala norte do Pentágono e esconda do mundo toda a verdade que ninguém quer saber: a de que não estamos sós no universo do entretenimento e merecemos uma série de paranóia, conspirações e bizarrices dignas do bom e velho Arquivos-X.


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